Dados e transparência em Saúde. As duas premissas são intrínsecas: não é possível alcançar transparência na gestão se não houver dados; tampouco é possível acessar dados se não houver transparência. Mas diante do volume e desestruturação dos dados disponíveis hoje, surgem algumas dúvidas: quais deles são necessários para garantir uma gestão acurada e voltada para a construção de maior valor para fontes pagadoras, prestadoras e, como não poderia deixar de ser, ao paciente? E mais: os gestores sabem quais dados devem selecionar para depurá-los e transformá-los em informação efetiva para decisões de negócios?
O tema é complexo e, para chegarmos ao círculo virtuoso – ou ganha-ganha-ganha – prometido no título deste material, é necessária a construção de um contexto.
A Saúde investe mal
O sistema de Saúde, seja público ou privado, ainda investe muito mal os recursos que tem: a Organização Mundial da Saúde (OMS)[1] estima que haja um desperdício de 20 a 40% dos gastos transferidos para os cuidados à população mundial. E uma das principais razões é, exatamente, a falta de transparência e tratamento dos dados, fator primário na assimetria de informações, que leva a um aumento substancial do desperdício dos recursos.
“É só a partir da análise dos dados que a gestão em Saúde poderá determinar com exatidão onde ocorre um uso excessivo – e muitas vezes ineficaz – dos recursos aplicados e fazer escolhas mais inteligentes, melhorando a relação na compra e venda de serviços e insumos”, resume César Abicalaffe, fundador e CEO da 2iM.
Integração é a chave
O setor da Saúde não é o único a se beneficiar de dados e transparência, tendo como base o uso da tecnologia. Outras áreas estão melhorando sua performance a partir desse entendimento, como é o caso dos sistemas financeiros e de investimentos, telecomunicações e até e-commerce e varejo online.
No entanto, ainda é evidente que, embora a cultura do uso do dado tenha se tornado mais comum no Brasil, faltam compartilhamentos importantes para a tomada de decisão da gestão. O estudo Data Trends 2024, feito pela Opinion Box[2], deixa claro que a chamada integração digital ainda está abaixo do desejado: 78% dos respondentes da pesquisa confirmaram que os dados gerados em um departamento da empresa não costumam ser compartilhados com os demais, fazendo com que muita informação estratégica permaneça isolada.
Outro ponto de atenção é que 83% dos entrevistados afirmaram ainda usar planilhas de Excel para acessar dados da empresa, em vez de sistemas ERP ou ferramentas de BI que facilitam a tomada de decisão. E, como sabemos, dados, para serem úteis, precisam ser de conhecimento da gestão em Saúde e de outras áreas.
Os 3 cenários de dados
Voltando à pergunta do começo deste texto: os gestores sabem quais dados devem selecionar para depurá-los e transformá-los em informação efetiva para decisões de negócios? Adicionamos algumas questões: onde estão esses dados? Eles são acessíveis?
Esses questionamentos levaram à identificação de três cenários de dados dentro das instituições de Saúde[3]:
● O dado existe e a instituição tem total acesso a ele. A situação é ideal, mas corresponde a cerca de 15% dos casos.
● O dado existe, mas a instituição não tem acesso a ele. Isso porque ele está de forma desestruturada no sistema local ou até de outro sistema, por não conter o CID certo. Representa algo em torno de 70% dos casos.
● O dado não existe, mas é necessário para as análises. São, por exemplo, dados reportados diretamente pelo paciente, que compartilham os desfechos clínicos e as experiências. São dados importantíssimos, mas ainda pouco acessados pelo sistema de saúde.
Identificando esses três silos, é possível montar um plano de ação para, enfim, estruturar uma gestão transparente baseada em dados.
Menos desperdício, mais valor
Com base em uma gestão transparente baseada em dados, o desperdício naturalmente cai. Tendo redução de gastos desnecessários, esses valores podem ser revertidos para a construção de uma gestão baseada em valor, na qual qualidade é bonificada, desfechos clínicos são melhorados e segurança do paciente é fortalecida. As relações entre os agentes de Saúde – fontes pagadoras, prestadores de serviços e pacientes – ficam mais transparentes, os pagamentos mais assertivos e a confiança aumenta. Temos aí o ganha-ganha-ganha.
Mas há outro – benéfico – efeito colateral da dobradinha transparência-dados, explica César Abicalaffe: “A gestão baseada em valor exige uma transparência com o público externo, pois haveria a obrigação de divulgar os dados ao mercado. Naturalmente, os gestores demandam uma maior transparência interna e fortalecem a governança da instituição, com melhorias significativas na gestão”.
Jornada necessária
A construção de uma gestão em Saúde baseada em dados e transparência leva um tempo, mas quanto antes começar, melhor. Do contrário, a falta de informação adequada vai perpetuar a insustentabilidade do sistema de Saúde, como já temos visto inclusive com a falência de operadoras de Saúde e de contratos de pacientes crônicos e idosos sendo rescindidos unilateralmente.
“Os dados e a sua transparência possibilitam uma verdadeira competição por valor e, por conseguinte, a criação de um sistema de saúde mais sustentável. É a partir da transparência que se torna possível implementar uma verdadeira, e necessária, mudança na Saúde”, finaliza César.
[1] The World Health Report 2010. Health Systems Financing: the Path to Universal Coverage
[2] https://conteudo.looqbox.com/data-trends
[3] Estes resultados foram observados ao longo dos últimos anos em dezenas de projetos conduzidos pela 2iM no Brasil