Origens e Desenvolvimento Inicial
Meu primeiro contato com a Análise de Decisão por Multicritério (MCDA) ocorreu durante meu mestrado em economia da saúde na Universidade de York, Inglaterra (2005/2006). Grande parte dos meus estudos focou-se em modelos de remuneração, culminando na submissão do artigo “Toward mixed reimbursement” (CHE, York, 2026). Esta pesquisa foi fundamental para compreender que não existe um modelo único ideal de remuneração, mas sim que a eficácia está nos modelos híbridos de pagamento. Uma outra percepção foi que os modelos de remuneração influenciam diretamente a lógica da assistência.
Ao retornar ao Brasil, desenvolvi um protótipo de MCDA para pagamento variável de médicos em uma medicina de grupo no Paraná e em uma Unimed no interior de São Paulo. O modelo, inicialmente em Excel, considerava dimensões como utilização, resolubilidade, custo, prevenção e satisfação do paciente. Cada médico avaliado recebia um Coeficiente de Performance, que servia como fator de correção para sua remuneração, sempre com ganhos adicionais à remuneração vigente. Este projeto pioneiro foi registrado no Brasil como produto e marca P4P em 2008-2009. Embora ousado e atrativo, o modelo dependia fortemente de consultoria, o que limitava sua escalabilidade.
Evolução e Fundação da 2iM
Apesar do mercado não estar preparado para modelos de remuneração inovadores, continuei recebendo convites para palestras sobre o tema. Um feedback crucial de um diretor de um grande hospital em São Paulo sugeriu a utilização da metodologia para avaliação, não remuneração, do corpo clínico de hospitais. Esta mudança de perspectiva levou à fundação da 2iM, uma healthtech incubada no TECPAR em 2011.
A 2iM nasceu com o propósito de transformar a gestão da saúde através de análises consistentes de métricas. Desenvolvemos o GPS.2iM (Gestão da Performance em Saúde), um modelo MCDA robusto com quatro dimensões: estrutura, eficiência, efetividade e satisfação. Em 2015, publiquei “Pagamento por Performance: o desafio de avaliar o desempenho em saúde” (Editora DOC Content), detalhando esta metodologia.
Expansão e Reconhecimento
Nos primeiros seis anos, a empresa expandiu significativamente, avaliando mais de 30 mil médicos em dezenas de hospitais e operadoras de saúde. Em 2017, com o crescente interesse em Saúde Baseada em Valor (VBHC) no Brasil, motivados pelo livro de Michael Porter e sua aplicação no Obamacare, participei da fundação do IBRAVS (Instituto Brasileiro de Valor em Saúde), assumindo a presidência. Este instituto surgiu para garantir que os conceitos de VBHC fossem difundidos de forma consistente e aplicável à realidade brasileira.
Desenvolvimento do Escore de Valor em Saúde (EVS)
Um intenso trabalho junto com a equipe de Inteligência Médica da 2iM foi evoluir o modelo GPS.2iM para uma avaliação de valor. O resultado foi a criação do EVS (Escore de Valor em Saúde), o qual mantinha o modelo MCDA e incorporava a lógica de valor.
O avaliado por este escore teria uma nota de 0 a 5 a partir da composição de indicadores em quatro dimensões para medir qualidade (i.e. estrutura, eficiência, efetividade e reportes do paciente) uma para medir custeio. Além disso, o modelo possibilitava ponderar não apenas os indicadores e dimensões, mas os agrupamentos em qualidade e custeio. Foi considerado 70% para qualidade e 30% para custeio. A inclusão da dimensão de processo (chamada no modelo de “eficiência”) foi mantida, pois entender o processo é crucial para compreender os resultados.
Reconhecimento Internacional e Implementação
O EVS ganhou reconhecimento internacional ao vencer o primeiro lugar no VBHC DRAGONS na Holanda (https://www.youtube.com/watch?v=kUUjNHtVvUY). O júri destacou sua escalabilidade, capacidade de medir resultados e foco no paciente, especialmente pelo uso de PREMs e PROMs.
A implementação do EVS expandiu-se rapidamente, especialmente entre hospitais e operadoras de planos de saúde, especialmente as cooperativas médicas. Além das dezenas de hospitais, em 2022, apenas três UNIMEDs utilizavam o modelo; atualmente (outubro/2024), mais de 20 UNIMEDs o adotaram, com expectativa de dobrar em 2025.
Somente nas cooperativas médicas, mais de 7.300 médicos em 62 especialidades e subespecialidades são avaliados pelo EVS, associando esta métrica ao pagamento por performance.
Impacto e Futuro
Um caso de sucesso da UNIMED São José do Rio Preto demonstrou que o modelo pode aumentar o ganho do médico e reduzir o custo assistencial simultaneamente, ganhando o primeiro lugar no prêmio “Cases IBRAVS” de 2024.
A divulgação deste modelo e sua aplicação prática é um legado significativo para o mercado de saúde no Brasil, com potencial de expansão para América Latina e Europa. A 2iM assinou um contrato de copyleft com o IBRAVS, permitindo a utilização do EVS em suas metodologias e publicações. O IBRAVS, por sua vez, firmou um contrato de cooperação técnica com a ANS, com previsão de lançamento do Guia sobre Modelos de Remuneração Baseados em Valor para agosto de 2025.
Conclusão
Com persistência e colaboração, estamos concretizando nosso propósito de transformar a gestão da saúde. Agradeço a todos os envolvidos neste processo, incluindo as equipes da 2iM, do IBRAVS, empresas parceiras e clientes. O aprendizado contínuo e a contribuição de todos são fundamentais para o sucesso desta metodologia, que promete revolucionar a gestão da saúde.
Por César Abicalaffe.
Fundador e CEO da 2iM.