Por Fabio Massaharu Nogi.
O setor de planos odontológicos no Brasil tem registrado um crescimento expressivo nas últimas duas décadas, impulsionado pelo aumento da demanda por cuidados de saúde bucal e pela conscientização da população sobre a importância do bem-estar odontológico e sua importância para a qualidade de vida das pessoas. Contudo, ainda existe uma grande demanda reprimida devido a barreiras econômicas e ao acesso limitado a serviços de qualidade. Este cenário evidencia a necessidade de uma transformação no modelo assistencial e remuneratório, visando à qualificação contínua e sustentabilidade dos cuidados prestados. Nesse contexto, o modelo de remuneração baseada em valor emerge como uma resposta promissora, oferecendo uma solução para corrigir falhas de mercado que perpetuam incentivos desalinhados. Ao reorientar os incentivos econômicos para focar em desfechos de saúde e satisfação dos pacientes, esse modelo não apenas eleva a qualidade dos cuidados, mas também promove a eficiência e a sustentabilidade no sistema de saúde, garantindo que os recursos sejam utilizados para gerar o máximo valor para os beneficiários.
O Problema com o Modelo Atual Baseado em “Fee-for-Service”
Atualmente, o modelo de remuneração predominante nos planos odontológicos é o “fee-for-service”, no qual os prestadores que compõem a rede credenciada ou referenciada da operadora são pagos por procedimento realizado. Embora simples de implementar, este modelo incentiva a realização de procedimentos em volume, muitas vezes em detrimento da qualidade e da atenção integral em saúde. Essa dinâmica leva a uma fragmentação dos cuidados, onde o foco recai sobre a quantidade de intervenções, não necessariamente sobre os resultados de saúde para o paciente.
Além disso, as operadoras de planos odontológicos geralmente carecem de dados claros sobre os desfechos dos tratamentos, o que limita a capacidade de avaliar a efetividade das intervenções e identificar oportunidades de melhoria. Isso coloca em pauta a necessidade de um modelo que valorize os resultados em saúde, no qual o valor entregue ao paciente seja o centro das decisões e investimentos.
O Conceito de Valor em Saúde
Valor em saúde pode ser entendido como a relação entre os resultados relevantes para o paciente e os custos necessários para atingi-los. A aplicação desse conceito na odontologia exige que as operadoras comecem a coletar e analisar indicadores de resultado e experiência dos pacientes, conhecidos como PROMs (Patient-Reported Outcome Measures) e PREMs (Patient-Reported Experience Measures), respectivamente. Essas métricas permitem avaliar não apenas o sucesso clínico, mas também a experiência do paciente, promovendo uma visão mais holística do cuidado e uma avaliação do tratamento ancorada em evidências e naquilo que realmente importa para o beneficiário.
Assim, ao adotarmos um modelo de remuneração baseado em valor, as clínicas odontológicas participantes deste processo, por exemplo, seriam incentivadas a diminuir a necessidade de visitas de emergência e retratamentos. Por sua vez, a coleta contínua e o monitoramento de PROMs e PREMs forneceriam informações sobre a satisfação dos pacientes com os tratamentos e suas percepções sobre os resultados alcançados, permitindo ajustes nas práticas clínicas para maximizar os benefícios para os pacientes.
Diferenças Entre a Assistência Médica e Odontológica
A implementação de modelos de valor na odontologia não deve simplesmente replicar práticas do setor médico. Apesar das similaridades, a odontologia possui características distintas, como tratamentos mais curtos e menos complexos. Isso requer uma adaptação dos protocolos de remuneração para atender à realidade do setor odontológico. Por exemplo, o uso de pacotes de pagamento por episódio de cuidado, comum na assistência médica, pode ser menos viável na odontologia. Portanto, há uma oportunidade para desenvolver modelos de remuneração inovadores, específicos para o setor, que incentivem a qualidade e a eficiência sem comprometer a sustentabilidade financeira.
Superando Desafios para Implementação do Modelo Baseado em Valor
A transição para modelos de remuneração baseados em valor na odontologia enfrenta desafios específicos. Dentre as principais barreiras para implementação no setor odontológico, podemos destacar:
- Resistência dos prestadores: Muitos profissionais tendem a encarar eventuais propostas alternativas de remuneração com desconfiança e temem que as mudanças possam reduzir suas receitas;
- Falta de sistemas integrados de informação: As coletas de PREMs e PROMs exigem um acompanhamento próximo da jornada de beneficiários e prestadores e demandam sistemas que integrem dados de forma padronizada;
- Necessidade de capacitação: Tanto prestadores quanto gestores precisam de treinamento para se adaptar a um modelo centrado no valor;
- Alta rotatividade de beneficiários: A despeito do aumento da consciência em relação a importância da saúde odontológica, o setor sofre com uma parcela significativa de beneficiários que abandonam o plano após a utilização efetiva, o que dificulta a coleta e o monitoramento de desfechos;
- Fragmentação da assistência odontológica: Embora não seja um problema exclusivo do setor odontológico, o fato de parte significativa da rede prestadora atender somente algumas especialidades, acarreta soluções de continuidade na linha de cuidado odontológica que prejudicam a avaliação integral da jornada assistencial dos beneficiários.
A superação desses obstáculos requer uma abordagem colaborativa, onde operadoras e prestadores trabalhem juntos para criar soluções que promovam a transparência e a melhoria contínua.
Conclusão: Uma Nova Era para a Odontologia Suplementar
A transição para um modelo de remuneração baseado em valor na odontologia suplementar representa uma oportunidade para transformar o setor, priorizando a saúde bucal integral e a qualidade dos resultados para o paciente. Ao focar em métricas de valor, como PROMs e PREMs, e ao promover uma integração maior entre ensino, prática clínica e gestão, as operadoras podem oferecer um cuidado mais eficaz e sustentável.
Este movimento em direção à remuneração baseada em valor exige uma mudança de mentalidade, no qual o sucesso será medido não de acordo com os paradigmas atuais alicerçados na lógica produtiva, mas pela qualidade percebida e pelo impacto positivo na vida dos pacientes. A adoção de práticas que priorizem o valor pode não apenas beneficiar os pacientes, mas também ampliar e fortalecer a confiança no sistema suplementar odontológico, estabelecendo um novo padrão de cuidado e sustentabilidade para o setor.
Para avançarmos na implementação bem-sucedida de modelos de remuneração baseados em valor, é fundamental que experiências e melhores práticas sejam amplamente compartilhadas entre os diversos atores do setor de odontologia suplementar. O intercâmbio de conhecimentos e práticas bem-sucedidas permite que operadoras, clínicas e profissionais alinhem estratégias e superem os desafios da adoção deste modelo.
Em futuros artigos, pretendemos compartilhar os resultados práticos das iniciativas que estamos conduzindo em nossa operadora odontológica e incentivamos outras operadoras a se juntarem a este movimento de aprendizado coletivo, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do setor e o aprimoramento contínuo da assistência odontológica.
Por Fabio Massaharu Nogi.
Atua como Superintendente de Inovação e Odontologia da Seguros Unimed / Unimed Odonto. Diretor do Sinog (Associação Brasileira de Planos Odontológicos) e Conselheiro Consultivo do IBRAVS (Instituto Brasleiro de Valor em Saúde). Possui Mestrado em Odontologia Social pela USP e 6 MBAs com ênfases distintas (Business Innovation, Gestão Atuarial, Gestão de Pessoas, Gestão de Vendas, Gestão de Negócios em Saúde e Inteligência de Mercado). Professor de MBA e pós-graduação. Mentor de Startups Black Belt pela 100 Open Startups.